White Night (2015): Entrevista com Domenico Albani, a mente pensante por trás do game

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Antes de começarmos, gostaria de agradecer a você, Domenico Albani, diretor técnico do francês Osome Studio, por nos conceder esta entrevista! É uma grande honra e lisonjeio para mim não só como fã de horror, mas também como fã do trabalho espetacular realizado por vocês em White Night.

Devemos agradecer a você também, pois White Night foi feito para os fãs quase que só e exclusivamente, com poucos compromissos além . Era algo arriscado. Para cada jogador que diz amar jogo, temos mais e mais convicção de que fizemos isso tudo da maneira certa.

 

White Night

Anteriormente, alguns membros da Osome estúdio trabalharam na Atari, mais especificamente no Alone in the Dark de 2008, um título um tanto conturbado, especialmente para os fãs mais antigos de Edward Carnby. Você poderia falar um pouco sobre aquela época e a evolução do time de lá até aqui? AITD 2008 foi o primeiro título para vocês?

Na verdade, Ronan Mathieu e eu nos conhecemos na Eden Games trabalhando em AITD5, ou Alone in the Dark 2008 (Eden Games era uma subsidiária da Atari naquele momento). Mas esse não foi o nosso primeiro projeto, pois tínhamos trabalhado anteriormente em outras empresas, em diferentes tipos de jogos. AITD5 foi uma produção AAA, com seus aspectos positivos e negativos. O resultado final não foi tão bom quanto poderia ter sido, mas, no entanto, a equipe trabalhou muito duro para finalizá-lo. Os jogadores podem não saber, mas por trás de cada jogo decepcionante, muitas vezes há uma equipe trabalhando muito duro, lutando contra toneladas de problemas que estão diretamente ligado a “fazer o jogo”. Depois disso, Ronan teve oportunidade de trabalhar em um protótipo de uma nova versão do AITD original, executado com a tecnologia de AITD5. O resultado foi muito interessante, mas infelizmente a Atari tinha decidido dar um tempo com a franquia AITD IP naquele momento. Ao mesmo tempo, ele também se deparou com um curta de animação com estilo visual preto e branco puro e que poderia perfeitamente se encaixar no clima da exploração e sobrevivência dos AITD originais. A partir desse momento, Ronan Mathieu e eu começamos a fazer o primeiro protótipo da White Night em nosso tempo livre. Ronan deixou a Eden Games e trabalhou para vários outros grandes estúdios, mas mantivemos contato. Anos mais tarde, o projeto White Night tinha amadurecido e tivemos a oportunidade de criar o Osome Studio. A partir desse momento, reunimos uma equipe de freelancers muito talentosos para participar na produção do jogo.

 

White Night faz uso de uma das dinâmicas mais populares em jogos terror nos últimos anos: o total desamparo do protagonista. Essa foi uma decisão que acompanhou toda a produção? Houve mudanças no meio da trajetória?

Manter o protagonista desamparado era o objetivo inicial e a direção foi mantida até o fim. A sobrevivência real (e primitiva) está mais ligada a fugir quando o perigo aparece e não a usar armas para matar alvos. Isso é chamado caçar! Mas estar na pele da caça produz muito mais terror do que estar na pele do caçador. Um aspecto alterado durante a produção tem relação com a movimentação do personagem, ferido após o acidente de carro. Estávamos destinados a usá-la ao longo de toda a história, mas após alguns testes, a ideia rapidamente se revelou muito irritante. Então, usamos até a primeira poltrona encontrada pelo personagem dentro da mansão e, a partir daí, passamos a utilizar animações mais convenientes. Nós também adicionamos a possibilidade de correr, o que não estava inicialmente previsto. Tal possibilidade deu uma condensada na obra como um todo, introduzindo algumas oportunidades de jogo sutis em relação ao gosto dos palitos de fósforo e fugas de fantasmas.

Esteticamente, quais são as principais influências em White Night? À primeira vista, tive que pensar em Frank Miller e seu Sin City, mas o enredo do jogo gira em torna da Grande Depressão, em Boston, então estou supondo influências de film noir e Orson Welles?

O estilo visual em White Night é muitas vezes comparado ao de Sin City, e não estamos nada envergonhados disso! Mas a inspiração original se chama Fear of the Dark, de Richard Mc Guire (http://www.richard-mcguire.com/fears.html). O fato interessante é que isso é uma artwork 2D feito à mão! Ao longo de todo o projeto, o desafio era encontrar um bom equilíbrio entre a essência 2D da imagem, proporcionando uma boa noção tridimencional para o jogador. Foi um desafio, porque obras de arte como Sin City ou Fear of the Dark tem a liberdade para manipular cada quadro (ou cada silhueta, no caso de Sin City) para obter o melhor entendimento possível, enquanto que num videogame há uma restrição mínima para coerência do espaço. Dificilmente podemos empurrar paredes, movimento mobílias ou até mesmo brincar com perspectiva como qualquer mídia em 2D consegue fazer.

 

White Night

 

No cinema, de uma forma geral, quais foram as influências? Eu vejo muitos traços de Bergman, especialmente a Hora do Lobo. E na literatura? Há algo provincial escondido em White Night?

A primeira influência cinematográfica foi Hitchcock, porque o primeiro elemento visual que projetamos foi a silhueta da mansão, diretamente inspirada em Psicose. O divertido é que o primeiro elemento visual do jogo com o qual o jogador irá se comunicar será aquele da loja virtual, na hora de comprar. Nós realmente colocamos muitas referências cinematográficas em White Night. O que realmente toma proporção global são Wiene (de O Gabinete do Dr. Caligari) e Polanski (de Repulsa ao Sexo). Além disso, o roteiro escrito por Sébastien Renard foi deliberadamente aderindo a eventos reais. Ele realmente fez sua lição de casa, e processou uma fase importante de documentação. Dar veracidade ao paranormal em suas histórias é parte de sua eficiência no terror.

Há duas histórias que se conectam aqui: o assassino e seus/suas vítimas, agora espíritos cheios de ódio e rancor que se rastejam pela mansão. Como você conecta essas duas histórias? E qual é a importância da mansão?

O aspecto narrativo é a espinha dorsal de White Night. Foi pensado como um jogo “literal”. Isso significa que a narração é um componente essencial do jogo. Nós queríamos que fosse profundo e escrito com estilo. As duas histórias que você aponta não são realmente tão separadas, e o jogador terá uma satisfação ao compreender a conexão entre as duas. Nós gostamos da ideia de que cada detalhe pode ser entendido pelo jogador, se ele assim quiser. Como quem são as vítimas, que na verdade são aqueles fantasmas e por eles tentam matar o protagonista. Se o jogador assim preferir, pode coletar muita informação ao longo de toda a história e, eventualmente, compreender a coisa toda. Claro que a mansão não é uma casa comum, e o jogador vai entender porquê… mas não posso revelar mais que isso, pois não gostaria de estragar as surpresas à alguém que queira embarcar em White Night agora.

 

White Night

 

Há um toque pessoal na trama do jogo, relacionado a alguém da equipe de produção? A pesquisa para o cenário, personagens e situações criadas foi toda inspirada por fatos?

Como explicado anteriormente, a documentação foi um passo importante antes da concepção. Mas como membros de um jovem estúdio francês, não poderíamos nos dar ao luxo de ir às locações para construir o jogo! Mas realmente alugamos um casarão na Normandia e trabalhamos por lá uma semana, isolados, mergulhados no clima de uma grande mansão antiga, cheia de segredos. Em termos mais gerais, como um pequeno estúdio indie, o jogo contém necessariamente alguns elementos relacionados a nós, em termos pessoais. Acho que essa é a real preocupação dos jogos independentes. O mercado indie está em plena expansão porque o jogador quer sentir algo único, algo pessoal quando jogam esses jogos. Isso é algo muito difícil de obter quando um único jogo é feito por algumas centenas de pessoas juntas.

O Osome Estúdio pretende continuar no gênero horror? Quais são os planos para o futuro? Vivemos numa maravilhosa explosão do gênero, com novos e promissores títulos aparecendo quase semanalmente. O que você acha desta nova realidade para o horror?

O gênero de terror não é o único que teria prazer em trabalhar. No momento, estamos pensando no que fazer a seguir, mas de qualquer maneira nós não queremos fazer uma continuação qualquer para White Night. Ele foi concebido como um todo, com um início e um fim. Nós não gostaríamos de enganar o jogador com algum truque barato de roteiro. Então, talvez teríamos alguma outra história baseada nesse universo e com esses visuais. Mas nós queremos ter certeza de que seria de importância para os jogadores. Então, nós estamos experimentando, tanto quanto possível, e vamos avisá-los assim que algo surgir!

 

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Muito obrigado pela entrevista! O Brasil é um país cheio de fãs de horror e histórias macabras. Você gostaria de enviar uma mensagem para seus fãs aqui?

Obrigado por essas perguntas tão interessantes! Espero que nossas resposta foram capazes de oferecer uma melhor perspectiva sobre o que é White Night e quais os conceitos e pensamentos que tivemos quando o construímos. Finalmente, vou lhe dar algumas informações exclusivas: estamos atualmente apoiando uma comunidade para tradução de White Night para o português brasileiro. Nós, na verdade, não esperamos qualquer lucro financeiro desse esforço, mas ficaremos felizes em proporcionar aos fãs de horror brasileiros a possibilidade jogá-lo em sua língua nativa. Um de seus compatriotas, um sujeito muito valente, decidiu começar esta tarefa incrível, mas ele anda precisando de ajuda. Assim, se alguém estiver disposta a dar uma mão, seria mais do que bem-vindo!


 

Sobre o autor: Makson Lima é produtor e já trabalhou na PlayTV, onde era responsável pelos programas de cinema, Moviola e CinePlay, além de colaborar eventualmente com análises de filmes e jogos. Talvez você já tenha visto sua cara anêmica participando do programa Go!Game. De umas semanas para cá, tem escrito bobagens em seu Tumblr, e faz do twitter (@maksonlima) um exercício de catarse para com as escaras da humanidade. Tem uma admiração um tanto quanto doentia por Silent Hill, Siren e Shin Megami Tensei, além de considerar Chan-Wook Park e Takashi Miike os maiores diretores de cinema da atualidade. Procura experimentar absolutamente todas as desgraceiras do entretenimento eletrônico que surgem por aí (e do cinema também, e das HQs, e da literatura), e odeia falar sobre si mesmo na terceira pessoa.

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