Tradução | Mikami e Takeuchi conversam sobre Resident Evil

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Jun Takeuchi e Shinji Mikami

Esta entrevista é histórica! Depois de muitos anos, Shinji Mikami e Jun Takeuchi se unem oficialmente em uma entrevista à revista japonesa Anan Magazine para falar sobre Resident Evil. É importante ressaltar que, apesar dos dois terem mantido uma amizade fora da empresa, já que trabalharam juntos em várias ocasiões, Mikami-san deixou a Capcom em 2004 de forma turbulenta, após ser anunciado o port de Resident Evil 4 para o Playstation 2. Na época, quando era questionado sobre isto em entrevistas, Mikami garantia que o game continuaria sendo exclusivo da Nintendo e que “cortaria a própria cabeça” se ele saísse para outra plataforma. De qualquer maneira, seria esta entrevista um “aceno de paz” entre Mikami e a Capcom? Será que um dia poderemos ver seu estúdio, Tango Gameworks, colaborando com a sua “ex-firma”, em um novo Resident Evil?

Esta entrevista foi traduzida do japonês para o inglês por Alex Aniel (@cvxfreak), e a nossa tradução para o português foi devidamente autorizada por ele. Thank you Alex!
Clique aqui para acessar o site do Alex e ler a entrevista em inglês.


Entrevista Traduzida:

Mikami: Tudo começou quando meu chefe (na Capcom) na época disse pra mim, “faça um jogo de terror!”. No entanto, eu não tinha material ou outros recursos, então tive que começar do zero. Tudo o que consigo pensar agora é em quantas dificuldades eu aguentei. *risos*

Takeuchi: Eu observei só de lado e lembro de pensar o quão difícil deve ter sido pra você. É claro que eu estava envolvido no projeto desde o início, mas tem uma diferença entre ser o responsável por todo o desenvolvimento e ser um mero membro da equipe de desenvolvimento. Com certeza foi uma época complicada.

Mikami: Dito isso, eu realmente acreditava em mim mesmo. Não tinha uma base para me apoiar, mas senti que tinha o que precisava. Olhando para trás agora me faz sentir um pouco envergonha em dizer isto, mas Resident Evil foi capaz de capturar aquela sensação de imersão que se tem em filmes de terror.

Takeuchi: Na época, a experiência com terror se espalhava principalmente pelo boca-a-boca, o que permitiu que Resident Evil tivesse sucesso em vendas. Não havia streaming ou serviços de redes sociais, então foi desafiador espalhar a palavra. Pouco depois, este título de sucesso evoluiu para uma série e agora pode ser jogada por pessoas em 220 países. O terror já existia como um gênero de filmes e livros, mas em forma de jogo, Resident Evil é histórico.

Mikami: Devo dizer que o terror é algo que as pessoas vão vivenciar e sentir diferentemente umas das outras, o que torna difícil de planejar. Para mim, pessoalmente falando, eu acho espíritos assustadores, então passei o primeiro mês planejando para que Resident Evil tivesse espíritos. Porém, eu sabia que só isto não venderia. Por isso acabei referenciando filmes como Tubarão e outros monstros grotescos que perseguem humanos e os coloquei no jogo. Acho que é isso, além do fato de que, em Resident Evil, você não apenas foge dos zumbis, você pode curtir a adrenalina de derrotá-los também; estes elementos contribuíram para a singularidade da série.

Takeuchi: Eu trabalhei nos gráficos na época, mas devo dizer que o impacto dos gráficos foi grande. Jogos anteriores a Resident Evil não tinham visuais daquele tipo, então acho que os gráficos foram bem revolucionários.

Mikami: Realmente. Ninguém pensaria assim hoje, mas olhando pelos olhos de um consumidor da época, pode-se dizer que Resident Evil tinha gráficos muito bonitos.

Takeuchi: Naquela época, as máquinas levavam cerca de um dia e meio para produzir somente um plano de fundo.

Mikami: Sim, apesar de que, para o primeiro jogo, ainda era adequado. Quando fomos fazer o segundo jogo, as coisas ficaram muito mais desafiadoras.

Takeuchi: Sim, exatamente. Tínhamos que colocar PCs extremamente caros em operação total por 24 horas por dia. As empresas não criavam os PCs para serem usados desta maneira, então é claro que tivemos PCs estragando em várias ocasiões. *risos* Estragar quando não tínhamos tempo era bem complicado.

Mikami: E pra piorar, não tínhamos PCs suficientes para toda a equipe, então tínhamos que dividir as equipes em turnos de dia e noite durante o desenvolvimento. Poucos membros da equipe tinham famílias na época, então os turnos de noite eram bem requisitados… De qualquer forma, foi uma época bem difícil.

Takeuchi: Com certeza foi.

Mikami: Mas depois de trabalhar muito e terminar o jogo, eu visitei lojas para ver como as coisas estavam indo. Não procurei em busca de dados; em vez disso, eu tentei compreender com base em experiências do mundo real.

Takeuchi: Eu também visitei lojas depois de terminar o desenvolvimento. Foi assim com Resident Evil 5, mas eu ainda vou em lojas atualmente também. Agora que você falou disso, um jogo com o qual você estava particularmente preocupado era Resident Evil 4, não é? Eu não fazia parte da sua equipe na época, mas tinha a impressão de que você estava preocupado com a recepção que Resident Evil 4 teria.

Mikami: Realmente, acho que eu estava bem preocupado com isso. Naquela época, eu tinha ido na direção de que estava tudo bem se um jogo não fosse a cara de Resident Evil. Entretanto, olhando para onde a série foi depois de Resident Evil 4, eu diria que não foi um erro seguir nesta direção. Eu queria facilitar para a próxima pessoa que assumisse a série. Por exemplo, se reforçar os elementos de ação resultasse em repulsa pelo jogo não ser Resident Evil o suficiente, então a próxima pessoa poderia simplesmente voltar atrás nisso.

Takeuchi: Do meu ponto de vista, e falando de forma honesta, eu fiquei muito surpreso em como Resident Evil 4 conseguiu ser tão bem sucedido como um título de Resident Evil, no fim das contas.

Mikami: Naquele momento, haviam pessoas ingressando na Capcom que eram fãs orgulhosos de Resident Evil. Eu pedi a eles que testassem Resident Evil 4, e no dia seguinte eles me mandaram um relatório de três páginas dizendo “Isto não é Resident Evil”! Eu recebi muitas observações deste tipo.

Takeuchi: Realmente haviam muitos comentários como este a princípio, mas, por outro lado, muitos fãs acreditam que Resident Evil 4 seja o ápice da série.

Mikami: Quanto a deixar os fãs potencialmente bravos, eu diria que havia partes de Resident Evil 4 que eram consideradas até um crime para os fãs, mas também sinto a confiança de que consegui criar um jogo interessante… Mas se eu não tivesse um coração de ferro, tenho certeza de que eu acabaria ruindo no meio do projeto.

Takeuchi: Como alguém que esteve envolvido no começo do desenvolvimento e com todo o conhecimento que tenho agora, posso dizer que somente você, Mikami-san, pode implementar tais mudanças em larga escala. Na época, você me perguntou como eu me sentia em relação a Resident Evil, e eu disse diretamente que as coisas estavam indo bem.

Mikami: Sério? Desculpa. Eu não lembro mesmo. *risos* Mas, Takeuchi, como as coisas foram pra você?

Takeuchi: Em uma virada inesperada, eu acabei ficando a cargo de Resident Evil 5; depois, fui para Resident Evil 7, onde acabei tomando as rédeas da série toda, com a ideia de ter que reestruturá-la. Muitas pessoas da Capcom não tinham uma ideia clara do que “o estilo Resident Evil” realmente significava naquele momento.

Mikami: Por “estilo Resident Evil”, você quer dizer terror, certo?

Takeuchi: Com certeza, mas pensando nos últimos 10 anos para cá, eu honestamente fico pensando se estaria tudo bem continuar a ênfase na ação que Resident Evil 4, 5 e 6 tiveram. Por isso, ao desenvolver Resident Evil 7, eu decidi que a oportunidade tinha chegado para uma renovação da série, mudando para um foco em direção às origens do terror na série e tentando fazer algo assustador de novo.

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Mikami: Resident Evil 5 e 6 foram, de certa forma, bastante fracos em termos de elementos de terror. Ao enfatizar o terror visual, Resident Evil 7 se encaixou nas necessidades da época e dos consumidores. O VR foi um grande acerto também. Resident Evil 7 e Resident Evil Village aplicaram o ponto de vista subjetivo (primeira pessoa); você planeja continuar com ele nos títulos futuros?

Takeuchi: Eu realmente não tenho preferência em perspectiva de gameplay, pessoalmente falando. Se uma ideia melhor aparecer, podemos integrá-la; isto serve para tudo, não apenas para a perspectiva.

Mikami: Eu concordo. É bom se atualizar de acordo com a época. Acho que este é o ponto forte da marca Resident Evil.

Takeuchi: É, sim. Dito isto, acho que o elemento de terror é uma exceção à necessidade de atualização. Eu quero manter o aspecto de terror em Resident Evil daqui para frente. Aliás, Mikami-san, como está indo seu novo jogo, Ghostwire: Tokyo?

Mikami: Você vai me perguntar isso agora?

Takeuchi: É claro que eu vou!

Mikami: Em uma palavra, está fluindo. O visual do jogo é um aspecto importante, e está incrível. Vai sair em 2022!

Takeuchi: Oh, pelo jeito você está empenhado! Estou ansioso para jogar!

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